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Rescaldos do furacão

Low and Behold

O primeiro filme de ficção a retratar Nova Orleans após a passagem do furacão Katrina, em 2005, foi a modesta produção independente Low and Behold, escrita pelo ator Barlow Jacobs e pelo diretor Zack Godshall. O Katrina foi o desastre natural mais destrutivo da história dos Estados Unidos, deixando um rastro de mais de 1800 mortes e 135 pessoas desaparecidas. A região metropolitana de Nova Orleans teve 80% de sua superfície e cerca de 200 mil casas inundadas pelo rompimento de vários diques.

 

Oito meses depois da catástrofe, Godshall e sua equipe filmavam a história do jovem Turner (Barlow Jacobs), que chega a Nova Orleans para trabalhar com um tio no ramo da avaliação de danos para pagamento de seguros. A lógica que impera na empresa Bridge Catastrophe Services é de não se sensibilizar com os dramas humanos, mas apenas quantificar os prejuízos e cobrar do seguro o mais alto possível, elevando assim suas comissões. A inexperiência e a boa consciência de Turner dificultam seu trabalho e o farão desenvolver empatia pelas vítimas da tragédia.

 

O roteiro foi parcialmente baseado nas observações de Barlow Jacobs enquanto trabalhava como avaliador de danos na Flórida após a passagem do furacão Wilma, apenas dois meses depois do Katrina. A ideia era revelar a tragédia das pessoas através de suas perdas materiais e humanas. No fundo, porém, Low and Behold é um buddy movie calcado na improvável amizade que se desenvolve entre Turner e Nixon, um operário insistente à procura do seu cão perdido na enchente. O tom é de comédia crítica na maior parte do tempo. Só na penúltima sequência do filme ficamos sabendo que Nixon perdeu não apenas o cachorro, mas toda a sua família.

 

Os trajetos de Turner no seu carro descortinam uma paisagem arrasada, com casas de madeira em pedaços, carros emborcados, árvores retorcidas e montes de destroços à beira das ruas. As entrevistas do avaliador com os moradores se dão na fronteira entre o documentário e a ficção, revelando interiores de casas arruinadas pela lama e o vento. Alguns entrevistados são residentes reais que contam como se safaram da calamidade e o que perderam. Um deles exibe a Turner fotos de moradias danificadas na tela do seu laptop. Alguns flashes documentais flagram os trabalhos de demolição de casas comprometidas, limpeza e início da reconstrução da cidade. 

Low and Behold

Diretor e ator-roteirista tinham um comprometimento com Nova Orleans, cidade onde Jacobs viveu por vários anos e que Godshall, nascido no mesmo estado da Louisiana, visitava com frequência na infância. Pode-se dizer que o personagem Turner os reflete dentro do filme. Por meio do discernimento do rapaz, estimulado pelo convívio com Nixon, o agenciamento dos escombros de Nova Orleans e da vizinha St. Bernard muda de sentido ao longo do filme. Do início meramente expositivo em travellings automobilísticos e quadros isolados, passa-se a conferir sentimento a cada trecho da paisagem. A sequência final, deixando para trás toda a comicidade, é um longo e triste deslocamento por avenidas margeadas de destroços (veja a cena no final desse clipe).

Low and Behold

​O título do filme é um trocadilho com a antiga expressão de ênfase "lo and behold", que se pode traduzir por "olha só" ou "pasme!". Segundo o diretor, "Low" (baixo) entrou aí para evocar o lugar físico – um lugar que se inunda –, assim como o estado emocional em que ficaram os habitantes.    

 

Veja também como os efeitos do Katrina foram ressignificados em Glory at Sea e Indomável Sonhadora.   

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