No vácuo do 11 de setembro
A Última Noite
O ataque às torres do World Trade Center, em Nova York, em 11 de setembro de 2001, teve um impacto emocional e político muito mais amplo do que a destruição dos edifícios e as mortes causadas no local. Deslanchou a chamada "guerra ao terror", que resultou na invasão do Afeganistão pelos EUA e na Guerra do Iraque. Para os norte-americanos foi um ultraje impensável, com sérias repercussões psicossociais e ideológicas.
Os poucos filmes de ficção que encararam de frente o assunto o fizeram por uma perspectiva de sublimação psicológica ou de especulação sobre o contexto político-ideológico do fato. Mas nenhum retratou tão bem o estado de espírito que se seguiu ao atentado quanto A Última Noite (The 25th Hour), que Spike Lee dirigiu em 2002.
O fantasma das torres é um dado concreto para Lee, signo de luto mas também objeto de meditação. Os créditos iniciais se sobrepõem à imagem do Tribute in Light, o memorial temporário que preencheu o vácuo das duas torres com jatos de luz azul. Era a representação poderosa de um consolo apenas virtual. Uma das cenas mais longas e estáticas do filme se passa diante de uma janela de vidro de onde se vê o Ground Zero, com os caminhões ainda recolhendo detritos da maior catástrofe da história moderna dos EUA. Nessa hora, a trilha musical de Terence Blanchard lança mão de um canto fúnebre com tonalidades árabes que remetem não a quem sofreu, mas a quem perpetrou o atentado. Diante da janela, dois amigos do traficante de drogas Monty (Edward Norton), o personagem central, discutem o destino dele na véspera de ser recolhido à prisão pelos próximos sete anos.
A Última Noite: diante do Ground Zero
Spike Lee tinha o roteiro já pronto, a partir de romance de David Benioff, quando tudo aconteceu. Ele então situou a história poucos meses depois da tragédia e tomou as últimas 24 horas de liberdade de Monty como metonímia de uma Nova York tensa, deprimida e perplexa. O pai de Monty (Brian Fox) passou a encarnar um ex-bombeiro cujo bar era frequentado por bombeiros mortos no WTC, homenageados nas paredes por trás do balcão.
Um mal-estar percorre a espinha dorsal de A Última Noite. Melhor do que qualquer documentário sobre o assunto, o filme descortina a cidade acuada em suas entranhas, tentando canhestramente manter-se viva nas ruas de bairros, boates, bolsa de valores. Este não é um filme "sobre" o 11 de setembro, mas é inseparável dele.
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