Um falso documentário de guerra
A Batalha de San Pietro
Em 1939, quando eclodiu a II Guerra Mundial, quase todos os países diretamente envolvidos já tinham uma indústria cinematográfica estabelecida e puderam enviar unidades especializadas para filmar as ações de suas tropas. Documentários e cinejornais levavam ao público as imagens da guerra, material que era usado com frequência como inserts documentais em filmes dramatizados.
Nos EUA, os diretores John Ford, Frank Capra, John Huston, George Stevens e William Wyler, assim como o produtor Darryl F. Zanuck, engajaram-se diretamente na contribuição de Hollywood ao esforço de guerra. Estiveram à frente de documentários clássicos como A Batalha de Midway (Ford, 1942), A Batalha de San Pietro (Huston, 1944), The Memphis Belle: A Story of a Flying Fortress (Wyler, 1944), The Negro Soldier (Stuart Heissler, produzido por Capra, 1944) e a série Why We Fight (Capra, 1942-1945). Em todos esses filmes há uma mescla de encenações e registros da guerra, em maior ou menor grau, mas sempre prevalecendo a intenção documental.
A Batalha de San Pietro (San Pietro), porém, merece atenção especial no escopo desta pesquisa, uma vez que se trata de um média-metragem majoritariamente composto por reconstituições da tomada da pequena cidade de San Pietro Infine, na região central da Itália, pelas tropas aliadas. Quando John Huston chegou ao local, em janeiro de 1944, a cidade já havia sido liberada semanas antes como ponto estratégico na ofensiva contra os alemães.
Segundo Mark Harris, no livro Cinco Voltaram, não passam de dois minutos as imagens factuais genuínas presentes no filme, entre as quais as tomadas dos soldados mortos. Huston trabalhou com atores e um roteiro minucioso para refazer a árdua conquista de San Pietro, que custou centenas de mortos. Reproduziu a tensão do que seriam as filmagens reais mediante câmeras tremidas, perdas de foco, ações ocorrendo fora do centro do quadro e até instruções para que alguns soldados olhassem rapidamente para a câmera como fariam numa situação verídica.
Por cerca de 50 anos, com a conivência do diretor, A Batalha de San Pietro foi tido como um documentário autêntico, até que pesquisas mais recentes jogassem luz sobre as estratégias utilizadas. O filme passaria, então, à história como um falso documentário que utiliza locações reais. A entrada dos aliados na cidade destroçada e a encenação do retorno dos moradores são momentos de grande dramaticidade, em que as ruínas emolduram rostos assustados ou sorridentes de idosos, mulheres e crianças muito pobres e ainda abalados pelos fatos ocorridos semanas antes. Essas cenas parecem antecipar uma iconografia que estava prestes a surgir no neorrealismo italiano. Veja o filme aqui.