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Cinema e catástrofe

O interesse do cinema pela destruição e a catástrofe começou bem cedo. Já em 1896, Auguste Lumière atuava diante da câmera comandando a derrubada de uma parede em Démolition d'un Mur. Esse filmete de menos de um minuto termina com o levantamento de uma nuvem de poeira, enquanto os operários seguem batendo as picaretas sobre os destroços.

Démolition d'un Mur

Démolition d'un Mur

Em 1908 surgia na Itália a primeira de muitas versões de Os Últimos Dias de Pompeia, título inaugural do gênero épico italiano e precursor do cinema-catástrofe.  

 

O gênero cinema-catástrofe, embora praticado com frequência em diversos países nas décadas seguintes por diretores que vão de David W. Griffith a George Pal e Ishiro Honda, só seria consagrado mercadologicamente nos anos 1970 por produções de Hollywood como Aeroporto (1970), O Destino do Poseidon (1972), Terremoto (1974), Juggernaut: Inferno em Alto Mar (1974), Inundação (1976), Avalanche (1978), Furacão (1979), Meteoro (1979) e Síndrome da China (1979). Em quase todos esses filmes os desastres eram objetos de caras reconstituições e façanhas técnicas cada vez mais sofisticadas. Fora do simples e eventual registro documental, a catástrofe sempre desafiou a representação em qualquer linguagem artística.

 

Num de seus diversos estudos sobre o assunto, Lúcia Ramos Monteiro afirma o caráter irrepresentável da catástrofe, mas ressalva: "Se a catástrofe em si é escassamente visível, seus traços podem apresentar um enorme potencial em termos de reprodução visual". Em sua tese de doutorado, Lúcia investigou a capacidade do cinema de representar a iminência da catástrofe. No polo oposto, dedico-me nesta pesquisa a observar como o cinema de ficção abordou os cenários deixados por grandes desastres ocorridos pouco antes das próprias filmagens.

 

Também de Lúcia, transcrevo aqui a descrição dos sentidos da palavra:

 

"Catástrofe é uma palavra de origem grega, formada pela preposição kata, que no grego antigo indica um deslocamento ao mesmo tempo para baixo e em direção ao fim, e no grego moderno significa ao mesmo tempo “contra” e “para”; e pela raiz streph, girar, de caráter cíclico. No grego antigo, katastrephô significa “eu derrubo”, como quando a parte superior de algo cai no chão, quando uma cidade é destruída por inimigos ou uma casa é demolida, um lutador põe por terra seu adversário. O substantivo katastrophê, ainda no grego antigo, designa “reviravolta, conquista, destruição” de um país, uma cidade ou um povo, e ao mesmo tempo a finalização de algo, como uma obra dramática – é assim que catástrofe faz sua entrada nas línguas modernas, ou seja, pelo teatro, em que indica a reviravolta conduzindo ao final da tragédia."

 

A junção de um significado linear (kata) com outro de caráter cíclico (streph) indica um duplo sentido: o fim de uma coisa ou de um tempo e, simultaneamente, um recomeço. Daí que muitas elaborações metafóricas em torno da catástrofe indiquem não apenas destruição, mas também o início de uma reconstrução e de um novo tempo.      

 

Mesmo um filme de ficção dá conta de algum tipo de realidade, ainda que seja somente aquela que aparece diante da câmera. Afinal, é usando porções do tempo histórico que o cinema constrói seu tempo ficcional. Desde a I Guerra Mundial, grandes calamidades históricas, naturais, ambientais, químicas e nucleares ganharam reconstituições cinematográficas ou tiveram suas consequências visíveis ou invisíveis inseridas em argumentos ficcionais.

 

Alguns dos mais importantes cineastas da história dedicaram atenção aos sinais da catástrofe. Roberto Rossellini incorporou as imagens de uma erupção vulcânica em Stromboli e as ruínas de Pompeia em Viagem à Itália (1954), além de realizar três clássicos situados nos escombros da II Guerra: Roma, Cidade Aberta (1945), Paisà (1946) e Alemanha Ano Zero (1948). Michelangelo Antonioni e Andrei Tarkovski tinham predileção por ressignificar ruínas medievais, industriais ou pós-industriais. Alexander Sokurov, Béla Tarr, Pier Paolo Pasolini e Theo Angelopoulos são outros realizadores que frequentaram ruínas famosas em seus filmes. O japonês Sion Sono fez uma trilogia a partir do desastre de Fukushima em 2011.

 

Mais que as ruínas do mundo antigo ou as ruínas nostálgicas do Romantismo, são as dos bombardeios bélicos e dos desastres ambientais dos séculos XX e XXI que catalisam o maior interesse do cinema. Na Alemanha e com reverberações em outros países, as cidades bombardeadas na II Guerra geraram mesmo um subgênero, o Trummerfilm, ou filme de escombros.

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